Os avanços nos aspectos produtivos e ambientais das culturas geneticamente modificadas (GM) são conhecidos há mais de duas décadas. A agricultura vem se transformando e a utilização de tecnologias mais sustentáveis e com maior potencial produtivo é um elo forte desta mudança.
Proteger nossos alimentos de pragas tem sido uma batalha contínua desde que os humanos começaram a cultivar alimentos. A Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) estima que cerca de 20 a 40% do total de colheitas globais são perdidos anualmente devido a doenças e pragas, e a Agência de Proteção Ambiental (EPA), dos Estado Unidos, estima que cerca de 2,3 bilhões de quilos de pesticidas são usados globalmente a cada ano, custando mais de 35 bilhões de dólares
Diante disso, as culturas Bt representam peça-chave na lavoura, uma vez que insetos-praga de maneira eficiente, ao longo de todo o ciclo da planta, reduzindo o número de aplicações e perdas. As culturas Bt, são conhecidas por suas propriedades de resistência a pragas e representam os membros ecológicos das culturas GM.
Quer conhecer mais sobre a origem e o desenvolvimento das culturas Bt? Siga lendo o texto.
Da bactéria às culturas Bt: como tudo começou?
Em 1901, um cientista japonês, chamado Shigetane Ishiwata, isolou a bactéria o foi capaz de isolar Bt de larvas de bicho-da-seda. Aconteceu acidentalmente em uma pesquisa sobre a causa da morte do grande número de larvas de bicho-da- seda.
Mais tarde, em 1911, um cientista alemão, Ern Berliner, recuperou a cepa específica de larvas de mariposas mortas e a estudou. Como essa pesquisa foi realizada em um estado alemão chamado Turíngia a bactéria recebeu o nome thuringiensis em homenagem ao local.
Décadas depois, 1938, a França produziu pela primeira vez o inseticida esporina Bt em escala comercial contra traças da farinha. Mas foi em 1953 que o cientista Thomas Angus identificou a formação de um cisto que libera endotoxinas.
Sua pesquisa também mostrou que esse cisto somente é formado quando a bactéria se encontra em condições de estresse (escassez de nutrientes e de umidade, por exemplo), e dele saem as chamadas cry-toxinas, que possuem atividade inseticida. Mais tarde, em 1955, Philip James e Hannay deixaram claro que a atividade é realizada por uma proteína, que compõe a estrutura. No ano de 1958 os Estados Unidos adaptaram o uso comercial do Bt.e Em 1961 o primeiro uso da bactéria Bt registrado como bioinseticidas pela EPA.
Embora as preparações microbianas de Bt sejam seguras e eficazes, elas são limitadas em sua duração de eficácia porque podem ser lavadas da planta (por exemplo, pela chuva) ou inativadas pela luz solar dentro de dias após a aplicação, e requerem quantidade considerável de água, calor e matéria-prima para produzir.
Após a revolução da engenharia genética, o mesmos genes que produzem as cry-toxinas em bactérias foi usado para produzir plantas Bt. E seu uso é comumente conhecido como inofensivo e altamente específico para o alvo.
Nos últimos 20 anos, plantas transgênicas com atividades inseticidas vêm sendo utilizadas em todo o mundo. No Brasil, a introdução dessa tecnologia ocorreu em 2005, com a aprovação e lançamento de uma variedade de algodão.
O milho resistente a insetos (Bt) foi aprovado em 2007, a soja em 2010 e, desde 2017, a cana-de-açúcar também pode contar com essa ferramenta. Desde a sua introdução no mercado, a tecnologia Bt passou a ser rapidamente empregada no campo, tornando-se uma das alternativas mais relevantes para o manejo integrado de pragas (MIP).
O uso do Bt na agricultura mundial
A tecnologia Bt é aplicada principalmente às culturas de milho, algodão e soja e tem sido amplamente adotada em grandes partes do mundo. Essas variedades Bt são difundidas nas Américas e na Ásia, mas muito menos na Europa e na África. Nos EUA, por exemplo, 80% de todo o milho e 85% do algodão têm características de resistência a insetos, enquanto apenas 4% do milho no Vietnã e apenas 6% do milho em Portugal têm o gene Bt.
Um estudo publicado na revista científica Proceedings of the National Academy of Sciences em 2018 analisou dados de 1996 a 2016 e concluiu que a adoção do milho Bt nos Estados Unidos resultou em uma diminuição de até 85% na aplicação de inseticidas. Outro estudo mostrou que o uso de inseticidas na cultura do algodão foi reduzido em até 81% e também diminuiu os danos causados nas plantas por pelo menos três espécies de insetos.
Além dos grãos, a berinjela Bt, conhecida em todo o sul da Ásia, foi apresentada a alguns agricultores em Bangladesh em 2014, e já em 2019 era cultivada por mais de 27 mil agricultores em todo o país. Seu uso reduziu a dependência de inseticidas dos agricultores de Bangladesh.
A adoção de berinjelas Bt, fez com que os agricultores de Bangladesh reduzissem o número de aplicações de inseticidas de 84 para no máximo 2 vezes durante o cultivo, gerando também maior economia ao produtor.
Na Austrália, antes da disponibilidade da tecnologia Bt, a maioria das culturas de algodão eram tipicamente pulverizadas de 10 a 14 vezes por safra com inseticidas para Helicoverpa spp.. Desde 1996, houve uma diminuição de 97% no uso de inseticidas. As culturas agora estão normalmente sujeitas a não mais do que 0 a 3 tratamentos com inseticidas por cultura.
A introdução do algodão Bt permitiu a implementação do Manejo Integrado de Pragas (MIP) aprimorado nas fazendas de algodão. As estratégias de MIP usam uma combinação de controles naturais e química específica de pragas para reduzir ainda mais o uso de pesticidas.
Ao diminuir os danos causados por insetos pragas, a biotecnologia Bt também protege o consumidor de ingerir micotoxinas que seriam produzidas por fungos oportunistas. Os estudos mostram que a utilização de plantas Bt provoca redução de 29% na concentração de micotoxinas em relação ao milho convencional.
Em resumo, as plantas Bt oferecem benefícios ambientais, sociais e econômicos que incluem:
– aumento das populações de insetos benéficos e vida selvagem nas lavouras
– redução do escoamento de pesticidas
– melhoria da segurança dos trabalhadores agrícolas
– mais tempo para os agricultores conviverem com suas famílias,
– diminuição da mão de obra e combustível
– melhor qualidade do solo
– maior rendimento e diminuição dos riscos
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Com todos esses benefícos que as plantas Bt trazem para o desenvolvimento da agricultura nacional e internacional é importante garantir sua longevidade. No entanto, as preocupações quanto à eolução da resistência de insetos às tecnologias Bt vêm crescendo ao longo dos últimos anos. O problema acontece em vários países, como Austrália, Estados Unidos e Brasil.
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O plantio de refúgio agrícola é a principal ferramenta dos programas de Manejo da Resistência a Insetos (MRI) e tem sido eficaz em retardar o aparecimento de resistência em pragas em lavouras dos países com maior histórico de uso da tecnologia Bt.
Por essa razão, é fundamental o engajamento dos produtores de todo o país na correta utilização da biotecnologia. O refúgio consiste no cultivo de uma área com plantas não-Bt próxima à cultura Bt. Essa área tem a função de produzir insetos suscetíveis às proteínas inseticidas Bt.
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A implementação de um programa efetivo do MRI é fundamental para superar um dos maiores desafios da agricultura brasileira: a perda de biotecnologias devido à evolução da resistência de insetos.
Principais fontes:
Australian Government, Department of Agriculture and Water Resources, Biotechnology, and agriculture in Australia: policy snapshot. 2018. Disponível em: https://www.agriculture.gov.au/sites/default/files/sitecollectiondocuments/ag-food/biotech/biotech-aus-policy-snapshot.pdf. Acesso em set. 2022.
CONAB, Portal de Informações agropecuárias, 2022. Disponível em: https://portaldeinformacoes.conab.gov.br/safra-serie-historica-graos.html. Acesso em set. 2022.
ISAAA, China, Biotech Country – Facts & Trends. 2019. Disponível em: https://www.isaaa.org/resources/publications/biotech_country_facts_and_trends/download/Facts%20and%20Trends%20-%20China.pdf. Acesso em set. 2022.
Spark. BIP soja 2021. Spark Smarter Decisions, Valinhos, SP. http://spark-ie.com.br, 2021.